Testemunhos
José Carlos portugal
Arquitecto
"PROJECTO DE QUALIDADE" E "BOM DESENHO" - DA MULTIDISCIPLINA À TRANSDISCIPLINA
Nas duas últimas décadas do século passado, Portugal parece ter despertado de um estado letárgico relativamente à prática do projecto para construção. E, como tantas e tantas vezes sucede em Portugal, despertou com o deslumbramento dos simples - passando do 8 para o 800! Refiro-me, naturalmente, ao facto de até ao último quartel do séc. XX, o "bom desenho" para construção ser uma espécie mais ou menos marginal, praticada em poucos gabinetes mais ou menos conhecidos, sobretudo por determinação de consciência dos profissionais envolvidos, mais do que por obrigação ou solicitação da encomenda. Com efeito, a entrada na UE obrigou à transposição para a ordem jurídica nacional de um vasto acervo de normativa reguladora da "qualidade em projecto", maioritariamente oriunda dos países do Norte da Europa. Sucedeu que, não havendo em nenhuma das classes profissionais, nem tão pouco nos promotores, diga-se, uma verdadeira cultura de "bom desenho" suficientemente enraizada para ser assumida como prática corrente, o resultado foi que a esmagadora maioria dos gabinetes passou a praticar o projecto como um exercício de verificação de conformidade da check list constante na Portaria XPTO. Ora, este efeito perverso depressa revelou uma nova realidade que é, na prática, insustentável pois leva ao paradoxo de que quanto mais "conforme" é o projecto, menos integradas são as soluções. Fica a ideia que as equipas das diferentes disciplinas, com tanta normativa específica para cumprir nas suas áreas, deixaram de poder trabalhar em conjunto, interagindo, no plano da conceptualização - existe um risco real e já visível de o projecto se transformar num somatório de partes, muito tecnocraticamente eficientes de per si mas, muito pouco consolidadas como saber global e integrador. Esta situação leva tendencialmente a uma normalização acrítica dos objectivos e das metodologias para os atingir. A não ser que o profissional, deliberadamente, se proponha a resistir, persistindo na necessidade de manter as criatividade e capacidade critica na primeira linha de importância da postura profissional em ambiente de projecto. Sucede que, justamente neste ponto, os profissionais da NORMA praticam aquilo a que já aqui chamei "bom desenho" - designação que prefiro à de "projecto de qualidade". Significa que possuem e já demonstraram connosco a capacidade (e a vontade) de participar conceptualmente desde a primeira hora na elaboração do projecto, outrossim (e, isto, é tão ou mais importante), a disponibilidade para investigar novas soluções ou soluções que se afastem dos padrões de normalidade mais comuns. Aceitar acompanhar, em espírito de interacção, o propósito de procurar novas soluções ou soluções ajustadas a cada caso específico, aportando à equipa o melhor do seu conhecimento técnico disciplinar é a atitude necessária e urgente a praticar por todos nós, profissionais do "bom desenho". É também, o único caldo-cultura que nos permitirá a cada momento evitarmos o down grade da transdisciplinaridade para a cinzenta e muito estritamente legalista multidisciplinaridade.